João Caraça*
“Tudo o que é fácil, ou óbvio, já está feito. Fazer de novo comporta esforço, exige coragem e implica um conhecimento preciso das circunstâncias.”
"Os génios tém sempre algo que os distingue do comum dos mortais. Mozart, por exemplo, nunca teve um verdadeiro lar. Nem em Salzburgo, onde nasceu, nem em Viena, onde morreu. A sua curta mas intensa passagem por este mundo foi como que uma luta travada entre corpo e alma, entre ser e devir, entre estabilidade e subversão. A grandeza do seu talento musical escapa a qualquer definição de fácil efeito, mas encontra-se certamente relacionada com a observação sobre as capacidades próprias que transmite a seu pai, Leopold, aos 22 anos de idade (em 1778): “Como sabe, eu posso adoptar ou imitar qualquer modo ou estilo de composição”.
Esta é, como sabemos, a característica mais marcante de todos os criadores e de todos os inovadores – ser capaz de interiorizar e assimilar correntes e ventos desencontrados e, a partir dessa base, gerar novos procedimentos e práticas que são, por sua vez, adoptados por outros. Esta capacidade articula-se com a propensão para arriscar e subverter a ordem existente, esperando-se, eventualmente, um benefício próprio num horizonte mais ou menos distante.
Realmente, tudo o que é fácil, ou óbvio, já está feito, já foi inventado no passado. Fazer de novo, de modo sustentável, comporta esforço, exige coragem. E, sobretudo hoje, implica conhecimento preciso das circunstâncias, isto é, daquilo que os outros pensam e preferem. Das suas visões e aspirações. Assim como se acabaram as torres de marfim para os acadêmicos, também já não existem mercados resguardados, quais tesouros escondidos no fundo da gruta dos quarenta ladrões.
Com será o futuro? Não o sabemos. Mas a nossa ignorância não reside no futuro, que não existe ainda, mas sim no presente. Isto é, a incerteza que nos pertuba é a que existe hoje, entre nós, entre os outros, entre nós e os outros. É esta incerteza que temos de combater, se quisermos ter melhores perspectivas para os tempos que virão.
Só que na política não existem génios. Apenas as circunstâncias. Porque a acção política reside na participação e na verificação, pelas instituições, das condições e dinâmica da sociedade civil. As grandes figuras políticas – de Alexandre a César e a Carlos Magno, de Filipe II a Richelieu e a Napoleão, de Lenine a Churchill e a De Gaulle – sempre ambicionaram o poder para o conservar: a sua obsessão é mantê-lo, suprimindo a subversão. Por isso, todos acabam por sucumbir no meio das tempestades que os atormentam.
Como fazer então? Como surge a ordem no meio da instabilidade que nos rodeio? A incerteza é bem o reverso da medalha da comunicação em rede, da não-linearidade, da complexidade, das interacções contínuas que estruturam o nosso quotidiano. Tecnologia, sistema social, organização econômica, alterações do ambiente são diferentes máscaras da mesma realidade que nos envolve. É preciso arriscar, introduzindo novas regras no comportamento colectivo, bem como novas instituições cuja dinâmica as reforce. Só assim emergem as novas circunstâncias que potenciam as boas escolhas políticas com vista ao futuro."
*João Caraça: Director do Serviço de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian; Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa. Membro do European Institute of Innovation and Technology.
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